Introdução
Há uma premente necessidade de desenvolver-se novos modelos de consumo e produção
para o setor de moda e vestuário. O setor tem um significativo impacto econômico, ambiental
e social que justifica tal premência. Somente o uso excessivo, ou incorreto, de agrotóxicos
neste setor provoca cerca de 25 milhões de pessoas intoxicadas por ano, de acordo com a
organização não-governamental Environmental Justice Foundation (2007).
Na produção de algodão, por exemplo, cerca de 40% do algodão é fibra e o restante é
semente transformada em óleos comestíveis e ração animal. Isso significa que numa plantação
onde o uso de agrotóxicos acontece como prática convencional, boa parte dos insumos
químicos permanece concentrada nas sementes que serão transformadas em óleos de cozinha
e ração de animais que servem como base da nossa alimentação.
O processo de obtenção em grande escala das fibras naturais no sistema convencional
implica a utilização de diversas substâncias químicas, como fertilizantes, herbicidas,
praguicidas, que contaminam o solo, a fauna e as pessoas que trabalham, quando utilizadas de
forma irresponsável. Por outro lado, o processo de fabricação de fibras sintéticas derivadas de
hidrocarbonetos acelera o esgotamento do petróleo gerando quantidade considerável de
resíduos não-biodegradáveis e difíceis para reciclar. Os processos de acabamento, tintura e
estamparia também utilizam sustâncias químicas muitas vezes tóxicas, assim como o processo
para curtir o couro, sem contar a diversidade de materiais heterogêneos reunidos em um
calçado como couro, tecidos, elementos metálicos, plásticos, difíceis de reciclar
(MCDONOUGH, & BRAUNGART, 2002).
Vale lembrar também a prática comum de deslocar centros de produção para países
subdesenvolvidos onde as leis e regulamentações ambientais são mais brandas, assim como a
mão-de-obra mais barata, resultando na sua exploração.
Grande parte deste e outros impactos é ignorada ou mesmo desconhecida pelos
profissionais que atuam no desenvolvimento de soluções para produtos de moda e vestuário.
De fato, segundo Marlet (2005, p.338), “...deve-se também à ênfase dos aspectos psicológicos
por meio da imagem pessoal, a dependência das marcas e o desconhecimento de que por trás
de um simples produto de moda coexistem impactos sociais e ambientais”. O sistema moda
impõe um ritmo de obsolescência programada muito rápido em que os produtos de moda são
descartados muito antes do final da sua vida potencial, o que é diametralmente contrário aos
axiomas do design sustentável.
Há, entretanto, um movimento que vem gradualmente mudando as práticas do setor. No
Brasil, em 2007 ocorreu a primeira edição do São Paulo Fashion Week, com ênfase na
sustentabilidade. Nesse evento observou-se o intenso uso de termos que já começam a se
consolidar no setor como ‘ecofriendly’, ‘orgânico’, e ‘fair trade’, ainda que não se tenham
dados para atestar o efetivo entendimento e uso de abordagens sustentáveis pelas empresas
envolvidas. O mercado de materiais de origem renovável também é um indicador importante
da mudança de postura do setor. O faturamento mundial de produtos orgânicos, por exemplo,
saltou de 245 milhões de dólares para US$1 bilhão de dólares entre 2001 e 2005 (ORGANIC
EXCHANGE, 2006).
Mudanças setoriais como essas são cada vez mais importantes na medida em que os
consumidores desenvolvem, progressivamente, uma noção ambiental capaz de provocar uma
mudança nos hábitos que tem demandado soluções efetivamente inovadoras na direção da
sustentabilidade.
Nesse sentido, o presente artigo busca identificar estratégias genéricas para aplicação da
sustentabilidade no vestuário, a fim de possibilitar aos profissionais do setor subsídios para
identificação dos próximos estágios de desenvolvimento de seus respectivos produtos e
2900Estratégias genéricas para a sustentabilidade no setor do vestuário
8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design
serviços. Nas seções seguintes são apresentados quatro níveis de estratégias do design
sustentável, seguindo um caminho progressivo de complexidade e, também, de profundidade
do impacto ambiental e social. Estes níveis são baseados na proposta de Manzini & Vezzoli
(2002) para produtos de maneira geral.
Estratégias Genéricas para tornar o vestuário mais sustentável
Nível 1: Redesign ambiental do vestuário existente
Esta estratégia significa a mera readequação ambiental de um produto existente. Esse é o
nível mais enfatizado pelo Setor Têxtil atualmente no que tange ao vestuário e tem se
caracterizado principalmente pela substituição de materiais não-renováveis por materiais
renováveis. Contudo, esta abordagem pode incluir também melhora na eficiência no consumo
de matéria-prima e energia ao longo de toda a cadeia produtiva do vestuário e ao longo de
todo o ciclo de vida do vestuário, incluindo a facilitação da reciclagem e o reuso de elementos
do vestuário. Não há a exigência de mudanças reais nos estilos de vida e consumo, mas
apenas a sensibilização do usuário para a escolha de produtos ambientalmente responsáveis,
conforme Manzini e Vezzoli (2002).
Para efetuar o redesign do vestuário e ao mesmo tempo considerar o ciclo de vida, o
designer deve necessariamente contemplar todas as etapas do processo de desenvolvimento:
pré-produção, produção, distribuição, uso e descarte (LEWIS & GERTSAKIS, 2001). Nesta
abordagem é útil entender os resíduos têxteis como divididos em duas categorias: desperdício
pós-industrial, relacionado ao desperdício ocasionado durante a produção e manufatura dos
artigos, e desperdício pós-consumo – relacionado às roupas usadas e a outros têxteis.
Quando esses resíduos não têm condições de ser vendidos ou reutilizados como roupas,
são passíveis de serem reciclados. Nessa situação, os materiais têxteis devem ser catalogados
por sua tipologia, cor e peso (gramatura), e depois desmembrados em tiras e separados como
material proveniente de descarte, conhecido como material descartável. Se esse ‘descarte” for
de boa qualidade, ele é misturado com fibras virgens cardadas com a nova fibra para fiação e
tecelagem. Em caso contrário, o material têxtil é reciclado e utilizado para preenchimento de
almofadas, travesseiros, colchões, forros de tapetes, gazes de algodão etc.
No caso do desperdício pós-consumo de produtos de vestuário em condições de
reutilização como roupas usadas, podem ser encaminhados a instituições de caridade, pontos
de venda de roupas usadas e brechós, este último muito utilizado por pessoas que buscam um
consumo consciente ou produtos especiais de moda. No caso de peças de roupas que não
sejam passíveis de reutilização, esses mesmo locais podem encaminhá-las para as empresas
recicladoras de têxteis.
Ao consideramos o enorme consumo global de artigos têxteis por habitantes, as
vantagens desse nível de aplicação da sustentabilidade no design de vestuário são muitas. É
possível citar: redução da necessidade de grande extensão de terra para plantio de fibras,
economia de energia com o material que não necessita ser estocado, transportado ou fibras
que não necessitam ser beneficiadas ou retingidas; com isso, reduzem-se os impactos
ambientais provocados pelo transporte e pelo processo de fabricação de fibras virgens,
tingimento e acabamento, além de economia de água, especialmente no caso da lã virgem,
que no processo de lavagem necessita de grande quantidade de água.
Para viabilizar essa estratégia, é necessário que o consumidor tenha postura diferente
com o vestuário. Simples iniciativas e atitudes podem ajudar sua viabilização, tais como:
direcionar as velhas peças de roupa para instituições de caridade ou empresas recicladoras;
descartar sempre pares de sapatos juntos, pois separados não terão utilidade; armazenar as
2901
publicado por : Martins, Suzana Barreto; Dr.ª; Universidade Estadual de Londrina
Mestrado em Design- Universidade Anhembi Morumbi
suzanabarreto@onda.com.br
Santos, Aguinaldo dos; PhD; Universidade Federal do Paraná
asantos@ufpr.br
Quer aprender mais : http://www.modavestuario.com/264estrategicasgenericas.pdf
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário